O dia 28 de maio de 2025 entrou para a história como o momento em que o renomado escritor queniano Ngugi wa Thiong’o deixou este mundo, em Atlanta, nos Estados Unidos. Reconhecido por muitos como um candidato à altura do Prêmio Nobel da Literatura, Ngugi foi um defensor incansável das línguas e da identidade africana, enfrentando não apenas a prisão por suas convicções, mas também agressões físicas em seu país, o que o forçou a se exilar permanentemente.
Um legado literário e político
Ao completar 85 anos, em janeiro de 2023, Ngugi foi homenageado pelo programa “África em Clave Cultural”, que destacava sua importância através de um tributo elaborado pelo poeta e ensaísta Filinto Elísio. O trabalho de Ngugi transcende as páginas dos livros; é uma verdadeira representação da luta histórica do povo africano contra o colonialismo e os regimes autoritários.
A forma política da escrita
Nascido no Quênia em 1938, em uma família de camponeses, Ngugi enfrentou diversas adversidades ao longo de sua vida. Sua experiência durante a Guerra dos Mau Mau moldou seu caráter e seu ativismo político. Essa vivência inesperada e dolorosa se refletiu diretamente em sua obra, onde ele se tornou um fervoroso militante pela independência e cidadania africana.
Após escrever suas primeiras obras em inglês, Ngugi tomou a decisão política de se expressar em sua língua nativa, o gikuyu. Isso aconteceu após ser preso em 1977, devido à sua peça escrita nesse idioma. Tal atitude foi motivada pelo desejo de defender a cultura africana e manter os laços com suas raízes. O livro “A mente colonizada” é uma das obras em que ele aborda essa temática com profundidade.
Obras marcantes e impacto cultural
Ngugi wa Thiong’o é autor de mais de 20 peças e romances, com obras traduzidas para mais de 30 línguas. Seu livro mais famoso, “O Eremita Negro”, lançado em 1962, estabeleceu um padrão elevado para a literatura africana contemporânea. Entre seus títulos mais reconhecidos, estão também “Não Chore Criança” (1964) e “Um Grão de Trigo” (1977). Este último, além de dar origem ao seu exílio, é um estudo minucioso das convulsões pós-coloniais e das relações entre opressores e oprimidos.
Ainda em sua carreira, Ngugi abordou questões sociais, políticas e culturais em livros como “Proteger a Base: Tornar a África Visível no Globo” (2016) e “Descolonizando a Mente” (1986). Suas análises vão além da literatura, questionando a posição da África no contexto global e suas línguas como formas de resistência.
Reconhecimento e importância
Muito além de seus livros, Ngugi wa Thiong’o é uma figura emblemática que continua a inspirar novos escritores e ativistas. Ele já recebeu mais de 10 títulos de Doutor Honoris Causa, sendo os mais recentes conferidos pela KCA University, no Quênia, e pela Yale University, nos EUA. Apesar de nunca ter sido laureado com o Prêmio Nobel da Literatura, ele afirma que seu verdadeiro prêmio é o impacto que suas palavras têm na sociedade.
Em uma declaração significativa, Ngugi ressaltou: “Se meu trabalho servir para imaginar um mundo melhor, não aceitar a derrota, pensar que é possível de fato abolir a pobreza do mundo, sinto que já ganhei meu Nobel”. Essa visão reflete sua crença nas potencialidades da literatura como um meio de transformação social.
Ngugi wa Thiong’o deixa um legado que ultrapassa as fronteiras do Quênia, ecoando em toda a África e no mundo. Sua luta pela dignidade e identidade africanas, sua resistência contra a opressão e seu profundo amor pela linguagem estabelecem um modelo a ser seguido por todos os que acreditam no poder da literatura como ferramenta de mudança.
Para aqueles que desejam conhecer mais sobre sua obra e pensamento, a crônica de homenagem escrita por Filinto Elísio, publicada por Rosa de Porcelana Editora, oferece uma reflexão profunda sobre a importância de Ngugi na literatura e na política contemporânea.
Em memória desse grande literata, o mundo perde não apenas um autor, mas uma voz que se levantava em defesa de um povo e de sua história.