A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta quarta-feira um projeto que visa sustar os efeitos de decretos assinados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), relacionados à demarcação de terras indígenas em Santa Catarina, realizados ao longo do ano passado. Essa decisão representa uma derrota significativa para o governo, que tem defendido a interpretação já julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre esse tema, em um contexto de fortes disputas políticas, especialmente em relação à bancada ruralista no Congresso.
Um embate entre os poderes
A votação ocorreu em um clima tenso, um dia após a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ter abandonado a Comissão de Infraestrutura do Senado após um desentendimento com senadores sobre a pavimentação da BR-319, estrada que liga Porto Velho a Manaus. O clima de instabilidade evidencia as dificuldades que o governo enfrenta para implementar suas políticas, especialmente em relação às questões ambientais e de direitos indígenas.
Além da aprovação do projeto que susta os decretos, a CCJ também avaliou a urgência da matéria, que será levada para votação no plenário do Senado. O tema da demarcação de terras indígenas já havia causedo tensões entre os três poderes no Brasil, especialmente após o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), reativar o debate sobre a questão no ano passado.
Detratores da ação do governo
No seu último dia como presidente da CCJ, Davi Alcolumbre, provocado pelo senador Esperidião Amin (PP-SC), expressou ter se sentido “enganado” pelo governo, que, por meio de decretos, demarcou terras indígenas em Santa Catarina enquanto um acordo estava sendo discutido entre representantes dos Três Poderes, sob a supervisão do ministro Gilmar Mendes, do STF.
O parecer original foi elaborado pelo senador Alessando Vieira (MDB-SE), mas os senadores optaram por aprovar um voto em separado de Sergio Moro (União-PR), que sugere não apenas a suspensão do artigo 2º do Decreto nº 1.775/1996, mas também dos Decretos nº 12.289 e nº 12.290, que homologam as terras indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos, em Santa Catarina.
Sergio Moro argumentou que “não basta que o Congresso legisle – ele deve garantir que sua legislação não seja esvaziada, reinterpretada ou atropelada por atos administrativos que, embora concretos, possuem conteúdo normativo”. Isso sugere que, mesmo atos administrativos, como a demarcação de terras, devem ser sujeitos ao controle político do Congresso.
Discordâncias e propostas de mudanças
Essa visão diverge do relatório de Alessando Vieira, que considera inconstitucional sustar os decretos de homologação por serem atos administrativos concretos. Para Moro, entretanto, atos formalmente concretos podem ter consequências normativas extensas e, portanto, devem ser alvos de controle legislativo.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), defendeu a posição do Executivo com relação ao decreto demarcatório e a outros assuntos procedimentais, afirmando que uma tentativa de conciliação estava em andamento, após um processo que vem se arrastando por 40 anos.
As consequências legais e futuras ações
A lei que deu origem a esse marco temporal foi aprovada pelo Congresso em setembro de 2023, pouco depois de o STF ter considerado inconstitucional a tese que limitava os direitos indígenas apenas às terras ocupadas no momento da promulgação da Constituição, em novembro de 1988. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou parte da medida aprovada pelos parlamentares, mas seu veto foi derrubado, evidenciando uma divisão significativa entre os poderes.
Após a aprovação do projeto, parlamentares da oposição já apresentaram uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com a intenção de consolidar a tese defendida por eles na Constituição, o que pode acirrar ainda mais os debates em torno da questão das terras indígenas no Brasil.
Esta recente ação da CCJ é mais um capítulo de um extenso embate sobre a demarcação de terras indígenas, uma questão que permanece no centro do debate político e social no país, refletindo a luta por direitos fundamentais e a gestão territorial em um Brasil multicultural.