Uma nova pesquisa realizada pelo Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP) traz à tona uma fascinante interação entre humanos e mamíferos gigantes extintos da megafauna brasileira. O estudo, baseado na análise de materiais paleontológicos coletados em uma caverna no sul de São Paulo, aponta que homens pré-históricos utilizavam dentes de toxodontes — animais semelhantes a rinocerontes — como adornos ou ornamentos pessoais.
A importância dos fósseis na pesquisa
Os fósseis de diversas espécies da megafauna foram coletados nas décadas de 1970 e 1980, principalmente na região do Vale do Ribeira de Iguape, em locais como a Caverna do Abismo Ponta de Flecha e outros pontos com vestígios significativos como o Abismo do Fóssil e Abismo Juvenal. Atualmente, os dentes e outros materiais estão sendo reexaminados no Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos (LEEH) da USP. Além dos dentes de toxodontes, também foram encontrados ossos de preguiças gigantes e diferentes espécies de tatu, todos extintos.
“Há evidências claras de que alguém, no passado, tentou remover um dente da mandíbula do animal. Ao contrário de outros mamíferos como cervos e tatus, que mostram marcas de consumo, no caso do Toxodon, parece improvável que a intenção fosse alimentar”, ressalta o pesquisador Artur Chahud do IB.
Como a extração dos dentes aconteceu?
O toxodonte (Toxodon platensis), que pesava em média 1.330 kg e alcançava 3 m de comprimento, pode ter se extinguido devido a mudanças climáticas e à caça por parte de humanos. Após a morte do animal, os humanos da época realizavam a extração dos dentes, deixando marcas que evidenciam a intervenção antrópica. O aluno Paulo Ricardo de Oliveira Costa, também integrante da pesquisa, sugere maneiras de como essa remoção ocorria.
“Considerando os grupos humanos que habitavam a região naquela época, é provável que tenham utilizado ferramentas líticas para realizar a extração. Os dentes do toxodonte são grandes e possuem um formato único, o que atraiu a atenção dos humanos, que tentaram extraí-los”, explica.
O uso dos dentes poderia ter um significado cultural importante. A utilização desses dentes para confecção de colares, pulseiras ou adornos é uma possibilidade que ganha força, ao descartar a hipótese de consumo alimentar.
“Imagine o impacto visual de um adorno feito com um dente de Toxodon, que possui dimensões comparáveis a um smartphone. Certamente se tratava de um objeto impressionante, que carregava significados de status ou pertencimento social”, acrescenta Artur Chahud, ressaltando a importância simbólica que esses itens poderiam ter para as comunidades antigas.
Estudo revela doenças nos dentes
A pesquisa também revelou que os toxodontes apresentavam sinais de doenças bucais. O aluno Paulo Ricardo identificou, em uma análise microscópica, a hipoplasia do esmalte dentário em um dos dentes, uma condição resultante da deficiência na deposição de esmalte. Essa condição pode ser provocada por fatores estressantes ou problemas nutricionais durante a infância do animal.
“As marcas dessa doença permanecem com o animal por toda sua vida. Isso pode dar uma visão ainda mais profunda sobre as condições de vida desses mamíferos gigantes”, observou Paulo Ricardo.
A relevância das pesquisas para o futuro
Os resultados desse estudo não apenas ampliam nosso entendimento sobre a megafauna e sua interação com os humanos, mas também têm relevância para a ecologia e a preservação da biodiversidade. O pesquisador Arthur destaca a importância de pesquisa que investiga o passado para entender a formação de ecossistemas ao longo do tempo.
“Materiais que antes ficam guardados em museus podem revelar novos conhecimentos sobre a história da biodiversidade, reforçando assim a necessidade de preservação de coleções científicas”, finaliza Mercedes Okumura, coordenadora do LEEH.
Essa pesquisa da USP demonstra que as interações entre humanos e megafauna são mais complexas do que se imaginava, oferecendo novos insights sobre como nossos antepassados se relacionaram com o ambiente que os rodeava.