No desdobramento do processo que investiga uma suposta tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teve seu papel central na escolha dos dirigentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) revelado. A confirmação veio do servidor da Abin, Christian Perillier Schneider, durante seu depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde atuou como testemunha de defesa do general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
O controle da Abin por Bolsonaro
Segundo Schneider, a estrutura da Abin estava vinculada ao GSI desde 2016, mas foi sob a gestão de Bolsonaro que o órgão ganhou um relacionamento direto com o presidente da República, algo inédito em administrações anteriores. Durante seu testemunho, o servidor enfatizou que a presença de diretores da Abin no Palácio do Planalto nunca havia ocorrido antes e que os nomes de Alexandre Ramagem e Luiz Fernando Corrêa, respectivamente, diretor e vice-diretor da agência, foram escolhas diretamente feitas por Bolsonaro, e não por Heleno.
“A primeira vez que a Abin teve sala no Planalto foi no governo Bolsonaro. Antes, não existia relacionamento de diretores da Abin com o presidente em outros governos. Os nomes de Ramagem e do outro diretor não foram escolhas do Heleno. Foram escolhas do ex-presidente”, afirmou Schneider. Este tipo de acesso direto, de acordo com ele, era novidade para a Abin, que nunca havia operado em uma estrutura de tão proximidade com o Poder Executivo.
Despesas e interações diretas
No decorrer de seu depoimento, Schneider fez uma revelação intrigante: Ramagem despachava diretamente com Bolsonaro em sua sala no Planalto. Esse tratamento direto, segundo o servidor, ocorria em muitas ocasiões sem o conhecimento do próprio general Heleno, gerando questionamentos sobre a linha de comando e a autonomia dos gestores da Abin.
“Com certeza havia [agendas entre Ramagem e Bolsonaro]. O diretor Ramagem, normalmente, tinha um despacho semanal com o ministro Heleno. Mas ele também tinha uma sala no Planalto para tratar de assuntos diretamente com o ex-presidente. Muitas vezes, despachava sem que o ministro Heleno sequer soubesse”, explicou Schneider.
Implicações legais e regulações
Durante seu depoimento, Schneider também ressaltou que a Abin não tem prerrogativas legais para infiltrar agentes em outros órgãos governamentais, uma vez que a prática não é regulamentada no Brasil. Ele mencionou que, embora haja o que se chamaria de “recrutamento de fonte”, esse não se equipara a infiltrações em órgãos públicos.
“Talvez possa ocorrer o que chamamos de recrutamento de fonte. Mas, a entrada de agentes é proibida. A Rússia, por exemplo, coloca um agente por oito, 10 anos. É proibido no Brasil”, enfatizou o servidor ao reafirmar as limitações legais da Abin. Este esclarecimento é relevante no contexto das alegações de tentativas de desvio de poder e uso da inteligência estatal de maneira inadequada.
A nova gestão e o futuro da Abin
A Abin, que deixou de estar subordinada ao GSI em março de 2023, sob o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, passa por um período de reestruturação e revisão de suas práticas. As denúncias e os questionamentos em torno da atuação da Abin sob a gestão de Bolsonaro ainda estão longe de um desfecho, e o depô de Schneider pode ter implicações futuras nas investigações em curso.
Este processo revela não apenas a centralização do poder na figura do ex-presidente, mas também deixa à vista questões cruciais sobre a função da Abin e seu papel no âmbito da segurança nacional. Os desdobramentos desse caso podem redefinir a forma como as agências de inteligência operam e se relacionam com o governo em diferentes contextos políticos.
A revelação de que Bolsonaro tinha controle sobre a nomeação dos dirigentes da Abin levanta dúvidas sobre a imparcialidade e a integridade da agência durante sua gestão, quedando fundamental discutir até que ponto as práticas utilizadas por Ramagem e seus predecessores se alinham às normas de segurança e à ética no serviço público.