Para muitos jovens e crianças, o emprego formal com carteira assinada virou símbolo de dificuldades, como jornadas longas e salários baixos, alimentando uma rejeição a esse modelo de trabalho.
Por que os jovens evitam a carteira assinada?
Fabiana Sobrinho, de Mogi das Cruzes (SP), percebeu a influência dessa percepção na sua filha de 12 anos, ao falar sobre o termo “CLT”. A menina já usava a expressão como uma ofensa, associando o emprego formal a fracasso.
Ela explica: “Ela dizia: ‘Vou estudar para não virar um CLT’”. A partir daí, Fabiana começou a discutir o conceito com ela, descobrindo que essa visão negativa é comum entre adolescentes, que relacionam a carteira assinada a uma vida difícil.
O que é a CLT e qual sua importância?
A sigla CLT refere-se à Consolidação das Leis do Trabalho, criada em 1943, que regula as relações de emprego no Brasil. Trabalhadores registrados têm direitos garantidos, como férias, 13º salário e licença-maternidade.
Segundo o historiador Paulo Fontes, a CLT foi fundamental para limitar abusos de empregadores e garantir direitos básicos aos trabalhadores, embora hoje seja alvo de críticas por parte de jovens que buscam alternativas no digital.
Percepções e memes nas redes sociais
Nas redes sociais, a busca pelo termo “CLT” resulta em memes e desabafos que satirizam o sistema de trabalho formal, ressaltando uma crescente rejeição ao emprego com carteira assinada. Muitas postagens brincam com a ideia de fugir das obrigações do modelo tradicional.
Origem do sentimento negativo e fatores históricos
De acordo com Rosana Pinheiro-Machado, antropóloga que investiga o mundo do trabalho, essa aversão remonta à cultura de baixa remuneração e condições precárias. Os empregos no Brasil frequentemente envolvem jornadas exaustivas, salários baixos e humilhações, que criam uma percepção negativa do trabalho formal.
Ela afirma: “As pessoas preferem se virar por conta própria ou nas redes sociais do que aceitar empregos que as humilhem.”
Alternativas de trabalho e a busca por liberdade
Jovens como Erick Chaves, o “Kinho”, de 19 anos, sentem-se atraídos pela liberdade proporcionada pelo digital. Ele relata que começou na internet em 2021 e, hoje, fatura entre R$ 3 mil e R$ 5 mil ao mês, preferindo essa: “O trabalho digital é mais a minha cara.”
Outro exemplo é Alejandro Ferreira, de 17 anos, que deixou a escola para empreender com um negócio de ensino de marketing digital. Segundo ele, a experiência ensinou que o digital pode ser uma alternativa ao emprego formal, mas também exige esforços constantes.
Realidade versus mitos do sucesso digital
No entanto, estudos mostram que alcançar sucesso na internet não é fácil. Pesquisadores da University College Dublin constataram que, de 40 mil perfis analisados, apenas 1,4% conseguiram mais de 5 mil seguidores em quatro meses, evidenciando a dificuldade de prosperar digitalmente.
Desafios e riscos do empreendedorismo digital
A especialista Rosana Pinheiro-Machado alerta que a busca por sucesso no digital pode levar jovens a abandonarem a escola ou oportunidades tradicionais, alimentando uma ilusão de riqueza rápida que prejudica a educação.
Ela reforça que, embora trabalhar por conta própria seja válido, é preciso entender que as redes sociais podem criar expectativas irreais, e nem todos conseguem alcançar destaque ou renda elevada.
Importância da CLT e preservação de direitos
O professor Paulo Fontes destaca que a CLT é essencial para garantir direitos históricos conquistados por trabalhadores. Ele explica que, antes da legislação, os abusos eram comuns e que a flexibilização da lei pode acabar fragilizando a proteção social.
Rosana Pinheiro-Machado acrescenta que a luta deve ser por melhorias na legislação, não por sua destruição. A valorização do trabalho formal e a educação continuam sendo estratégias fundamentais para o desenvolvimento social.
Perspectivas futuras e desafios
Dados recentes indicam que uma parcela significativa de trabalhadores por conta própria ainda prefere a carteira assinada, embora muitos só adotem essa modalidade por necessidade, devido à perda de renda ou emprego.
Ao mesmo tempo, influenciadores digitais seguem promovendo a ideia de sucesso fácil na internet, alimentando uma visão irreal que pode afastar jovens de possibilidades tradicionais de desenvolvimento profissional.
Para especialistas, o desafio é equilibrar a valorização do trabalho formal com a inovação e a autonomia, sempre protegendo os direitos dos trabalhadores e valorizando a educação.