Desde o anúncio, em março, pelo governo de Donald Trump da imposição de tarifa de 25% sobre todas as importações americanas de aço e alumínio — o Brasil é seu segundo maior fornecedor — os dois países iniciaram negociações discretas para redefinir a relação comercial de 200 anos. As conversas ocorrem de forma lenta, com sigilo extremo, levando à insatisfação de setores mais atingidos pelo “tarifaço” americano.
Disposição para negociar e obstáculos
Fontes do governo brasileiro indicam que o país faz parte de um grupo de duas dezenas de nações com as quais os EUA preferiram iniciar as negociações, embora alertem que isso não garante um acordo rápido ou certo. Segundo um interlocutor, a disposição de Brasília de dialogar não significa que o entendimento seja fácil ou imediato, dada a complexidade do cenário.
Washington busca eliminar tarifas tarifárias de 10%, principalmente no setor do aço, e também tarifas setoriais sobre autopeças e microchips. A publicação da Secretaria de Comércio dos EUA, com quase 400 páginas, dedica um capítulo ao Brasil, explicitando o desejo de eliminar essas barreiras comerciais. “É um processo em desenvolvimento, mas o fato do Brasil estar disposto a negociar e de estar neste grupo não garante uma resolução rápida”, afirmou uma fonte oficial.
Agenda de reuniões e pontos de divergência
As primeiras conversas de alto nível ocorreram em março, com o vice-presidente e o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, e o secretário de Comércio americano, Howard Lutnick. Desde então, já foram seis reuniões técnicas envolvendo também o Ministério das Relações Exteriores.
Apesar de manter a esperança, negociadores ouvidos pelo Valor ressaltam que “um entendimento não é evidente”. O conflito vai além das tarifas, envolvendo também diferenças por parte dos EUA em relação às importações brasileiras, principalmente de bens e serviços, que criaram um déficit de aproximadamente R$ 27 bilhões por ano.
Contexto internacional e estratégias brasileiras
O cenário assemelha-se à experiência do Chile, que foi pressionado a reduzir sua exposição à China e a criar regras mais “amigáveis” às empresas americanas. Pequim, por sua vez, tem ocupado espaços deixados pelos EUA ao longo dos anos, o que provoca reações de Trump e equipe.
Segundo uma fonte do governo, o ambiente de negociações será marcado por regras rígidas, com o entendimento de que ajuda, mas não resolve, problemas estruturais. O Brasil argumenta em reuniões técnicas que o peso do déficit comercial dos EUA com o mundo é maior do que o do Brasil com os EUA, além de destacar que oito dos dez principais produtos importados dos EUA possuem tarifa zero.
Próximos passos e postura oficial
A orientação do governo brasileiro é manter cautela, evitar respostas impulsivas e trabalhar com reciprocidade, em linha com as propostas no Projeto de Lei 2008/25, aprovado pelo Congresso em abril, que prevê retaliações comerciais se necessárias. Enquanto negocia, Brasília também dialoga com parceiros em Genebra para possíveis ações na Organização Mundial de Comércio (OMC), caso as negociações não avancem.
Um exemplo recente de avanço é o acordo com o Reino Unido, que busca um posicionamento estratégico frente à União Europeia, considerada por analistas como uma resposta indireta às políticas comerciais de Trump.
Perspectivas e incertezas
Suspiciona-se que Trump pretende manter uma tarifa mínima aplicada a todos os países, mesmo enquanto negocia acordos bilaterais, o que adiciona complexidade ao cenário. O debate continua acalorado, com o Brasil decidido a “negociar até a exaustão”, enquanto avalia a possibilidade de recorrer à OMC caso as negociações não prosperem.
Segundo analistas, o futuro das tarifas e acordos com os EUA dependerá do grau de reciprocidade e dos interesses políticos internos de ambos os lados. A expectativa é que novas reuniões técnicas e de alto nível continuem nas próximas semanas, sem previsão de um desfecho rápido.
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