Um dos maiores escândalos financeiros da história recente do Uruguai gira em torno de um elemento inusitado: vacas que, ao que tudo indica, nunca existiram. Este caso, investigado pelas autoridades locais, envolve pelo menos três empresas, mais de seis mil investidores e um rombo estimado em US$ 350 milhões — cerca de R$ 1,9 bilhão na cotação atual.
Promessa de lucro fixo atraiu milhares
No centro da crise está a empresa Conexión Ganadera, que durante anos atraiu pequenos e médios investidores com a promessa de retornos fixos em dólares por meio de um esquema de investimento em gado. A operação funcionava de forma simples: o investidor comprava vacas — de fato ou no papel — que seriam criadas e vendidas com lucro por empresas do setor. A proposta de rendimentos entre 7% e 10% ao ano em dólares, aliada a materiais promocionais com imagens idílicas de gado Hereford e à chancela de um sistema estatal de rastreamento bovino, fez com que o investimento parecesse seguro.
O Uruguai, com apenas 3,4 milhões de habitantes, tem mais de 12 milhões de cabeças de gado e é conhecido por um dos mais elogiados sistemas de rastreabilidade da América Latina. Entretanto, o que parecia um negócio sólido se transformou em um escândalo. Em novembro de 2023, o empresário Gustavo Basso, um dos sócios da Conexión Ganadera, morreu em um acidente automobilístico, levando a dúvidas e atrasos nos pagamentos aos investidores. Em janeiro, a empresa admitiu que seu rombo era de aproximadamente US$ 250 milhões.
Mais de 700 mil vacas podem ser fictícias
Um levantamento feito por um administrador judicial revelou que apenas 70 a 80 mil das 804.604 vacas alegadamente administradas pela Conexión Ganadera poderiam ser localizadas. Isso significa que mais de 700 mil vacas seriam “fantasmas”, nunca existiram ou desapareceram do sistema. Em outro caso, uma empresa do grupo usou 3.740 vacas como garantia de empréstimo, mas só conseguiu apresentar 49.
As vítimas estão em busca de respostas sobre como essa fraude passou despercebida por tanto tempo. O Ministério da Pecuária, que é responsável pelo registro nacional de gado, se recusou a comentar. Advogados das vítimas apontam falhas graves no sistema de controle. De acordo com eles, a responsabilidade pela veracidade dos dados inseridos no sistema oficial recaiu sobre as empresas, que não tinham verificação independente.
Investigações e prisão preventiva
Três empresas estão sob investigação: Conexión Ganadera, República Ganadera e Grupo Larrarte. Um dos executivos da Larrarte, Jairo Larrarte, está preso preventivamente desde abril, acusado de apropriação indevida, fraude e emissão de cheques sem fundos. Seu advogado declarou que ele está cooperando com as autoridades e já devolveu parte do gado a investidores.
A República Ganadera tentava entrar com um pedido de falência voluntária em novembro, mas teve a solicitação negada pela Justiça, que resolveu abrir uma investigação criminal. Enquanto isso, os sócios da Conexión Ganadera — Pablo Carrasco, sua esposa Ana Iewdiukow e a viúva de Basso, Daniela Cabral — estão sendo investigados por fraude e desvio de recursos. Todos eles tiveram os passaportes apreendidos e estão proibidos de deixar o país.
Investidores como Sandra Palleiro, que juntou suas economias ao longo da vida para investir no que prometia ser um futuro tranquilo, estão sem respostas e clamando por justiça. “Colocamos ali todas as nossas economias, com muito esforço. Agora queremos justiça”, lamentou a contadora, que viajou 600 quilômetros em busca das 61 vacas que supostamente lhe pertenciam.
O escândalo das vacas do Uruguai não apenas revela uma fraude monumental, mas também destaca a vulnerabilidade de investidores que, na esperança de uma vida melhor, foram enganados por promessas vazias. A crise amplia a discussão sobre a necessidade de uma fiscalização mais rigorosa no setor a fim de prevenir futuros golpes e proteger os cidadãos.