A saúde coletiva no Brasil enfrenta um grande desafio: a necessidade de priorizar a prevenção de doenças em vez do tratamento. Embora seja amplamente reconhecido que prevenir doenças pode ser tão crucial quanto o diagnóstico precoce, os dados revelam que os investimentos nesta área ainda são insignificantes. Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), apenas 0,25% dos quase R$ 350 bilhões arrecadados pelos planos de saúde no ano passado foram investidos em iniciativas de promoção da saúde.
O panorama atual dos investimentos em saúde
Um levantamento da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) afirma que esses investimentos estão em seu menor patamar desde 2018. Historicamente, os planos de saúde nunca destinaram mais de 0,5% de sua receita a iniciativas de prevenção. Esta baixa porcentagem não apenas compromete a saúde da população, mas também agrava os custos dos sistemas de saúde, aumentando as internações e atendimentos emergenciais.
Na busca por alternativas, algumas pequenas operadoras de saúde têm se destacado ao adotar abordagens inovadoras e focadas em prevenção. Antonio Britto, diretor-executivo da Anahp, enfatiza a necessidade de reformas no setor, já que as operadoras que oferecem planos coletivos perdem, em média, um terço dos usuários anualmente devido aos altos reajustes.
Desafios enfrentados pelas operadoras de saúde
De acordo com Britto, a baixa adesão a programas de prevenção também deve ser considerada uma falha regulatória. Ele destaca que a dinâmica do mercado, onde os empregadores migram constantemente de um plano para outro, resulta em perda dos investimentos realizados em saúde preventiva. Além disso, a remuneração dos corretores, que é baseada apenas na assinatura de contratos, incentiva essa troca frequente. Isso torna cada vez mais difícil para as operadoras manter o compromisso com a saúde de seus usuários.
Exemplos de inovação na prevenção
Algumas operadoras, como a SulAmérica, têm investido em programas de saúde direcionados a grupos específicos, como idosos, portadores de doenças crônicas e gestantes. Em 2024, a operadora registrou um aumento de 23,5% nos investimentos em prevenção, totalizando R$ 2,9 milhões, que ainda representa apenas 0,008% de suas receitas. Raquel Imbassahy, diretora de gestão de saúde da SulAmérica, afirma que esses programas são essenciais para melhorar a saúde dos beneficiários e reduzir custos a longo prazo.
Outro exemplo é a operadora Bradesco Saúde, que investiu R$ 12 milhões em programas de atenção à saúde no último ano, um valor que corresponde a 0,03% de suas receitas. A operadora também tem notado uma redução significativa nas internações de suas carteiras que participam de programas preventivos.
Intervenções da saúde pública
Iniciativas de saúde pública têm se tornado cada vez mais relevantes. O Hospital Sírio-Libanês, por exemplo, desenvolveu um programa customizado focado em empresas, visando melhorar a saúde e reduzir custos associados a internações e atendimentos. Daniel Greca, diretor de saúde populacional do hospital, relata que isso não só melhora a saúde dos trabalhadores, mas também impacta positivamente nas negociações de reajustes com as operadoras.
Por outro lado, a mineira Aurora, recente no mercado e com enfoque em prevenção, realiza um check-up completo nas empresas contratantes logo após a assinatura do contrato, rastreando doenças que representam uma parte significativa dos custos assistenciais. Essa abordagem proativa demonstra como a prevenção pode ser implantada desde o início da relação entre operadoras e beneficiários, aguardando uma adesão positiva.
O futuro da saúde suplementar no Brasil
Segundo a professora da FGVSaúde, Ana Maria Malik, o modelo atual de saúde suplementar carece de um foco no relacionamento entre operadoras e beneficiários, priorizando contratos e preços. A falta de acompanhamento da rotina do usuário, como idas a serviços de emergência, pode resultar em diagnósticos tardios e tratamentos caros. Ela aponta que um sistema com foco em prevenção e acompanhamento poderia gerar economias substanciais para todos os envolvidos.
Na visão de Rudi Rocha, diretor de pesquisa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, é preciso um redesenho do sistema que incentive a permanência dos contratos e a adesão a programas preventivos. Ele sugere que a ANS implemente metas que impliquem uma fração das carteiras sob programas de saúde preventiva.
A realidade dos planos de saúde no Brasil é complexa e desafiadora, mas a priorização da prevenção pode gerar benefícios tanto para a saúde pública quanto para os sistemas de saúde, reduzindo custos e melhorando a qualidade de vida da população. A estrada à frente exige um compromisso renovado e ações claras de todos os envolvidos neste setor crítico.