Após concluir a graduação e enfrentar dificuldades no mercado de trabalho, Bernardo Xavier, de 32 anos, decidiu trilhar um caminho diferente. Ele trocou a possibilidade de um emprego em um escritório de advocacia pela jornada de visitar famílias, porta a porta, como Agente Comunitário de Saúde (ACS) no Sistema Único de Saúde (SUS). Xavier está entre os profissionais que desempenham um papel crucial na saúde pública brasileira, buscando aproximar os serviços de saúde da população.
Missão no exterior: trocando experiências entre os sistemas de saúde
Neste ano, Xavier teve a oportunidade de viajar para Londres com um objetivo específico: trocar experiências com funcionários do NHS (National Health Service), o sistema de saúde público do Reino Unido. Essa viagem faz parte de uma cooperação internacional que visa exportar as metodologias do SUS para o Reino Unido, no intuito de inspirar melhorias no modelo britânico.
Pesquisadores do Imperial College de Londres estão avaliando como replicar o trabalho dos ACSs do Brasil. A iniciativa começou com um projeto-piloto no bairro de Pimlico, mas já se expandiu para outras regiões da Inglaterra, como o condado da Cornualha. O sucesso do modelo de saúde brasileiro está atraindo a atenção de outros países, como destacou o jornal britânico The Telegraph, especialmente em resposta ao aumento da demanda por serviços de saúde e à superlotação nos hospitais.
Por que o SUS se tornou uma inspiração para o NHS?
A conexão entre o SUS e o NHS começou de forma inesperada. Matthew Harris, um médico sanitarista e pesquisador do ICL, passou quatro anos no Brasil, onde conheceu de perto a atuação dos ACSs. “Eles tornavam meu trabalho muito mais eficiente, pois podiam me informar sobre a realidade nas comunidades”, relatou Harris. Ele observou que, ao contrário do SUS, que adota uma abordagem preventiva e comunitária, o NHS se mostra mais reativo, dependendo da busca ativa dos usuários.
Depois de retornar ao Reino Unido, Harris enfrentou dificuldades para implementar a mudança, mas a pandemia ajudou a destacar a importância do trabalho comunitário. Em 2021, estudos que mostraram os benefícios dos ACSs deram novo impulso ao projeto, culminando em um teste bem-sucedido com a implementação de quatro agentes em 2021, que cuidavam de 20 famílias cada.
Como ocorrem os testes no Reino Unido
A aceitação inicial dos agentes comunitários de saúde no Reino Unido foi satisfatória, levando à expansão para mais projetos em diversas cidades, como Oxford e Norfolk. No bairro de Pimlico, agora há 24 agentes em tempo integral e cinco em meio período, com um planejamento de duração de dois anos para avaliação de resultados.
Os agentes comunitários são uma ponte vital entre o sistema de saúde e a população, especialmente em áreas com desafios como violência e isolamento. A experiência brasileira ressalta a importância de vínculos com a comunidade, sendo que os agentes não precisam ter formação na área da saúde, mas devem ter uma boa capacidade de resolver problemas.
O papel do Agente Comunitário de Saúde no SUS
Os agentes comunitários de saúde surgiram na década de 90 como parte da Estratégia Saúde da Família (ESF), residindo há pelo menos dois anos nas comunidades que atendem e acompanhando até 750 moradores. Eles realizam visitas domiciliares e promovem atividades educativas, sendo fundamentais para a prevenção de doenças e promoção da saúde.
Atualmente, o Brasil conta com 281.024 ACSs, segundo o Ministério da Saúde, que atuam em um contexto onde as dificuldades de acesso à saúde ainda são grandes. Para Alessandro Jatobá, coordenador do ResiliSUS, os ACSs refletem a resiliência do SUS diante de adversidades, permitindo que a saúde chegue a populações vulneráveis e em áreas de difícil acesso.
Trocando experiências: o impacto do trabalho de Bernardo Xavier
Bernardo Xavier conheceu a função de ACS através de sua mãe, que atuou nessa área por 12 anos. Sua experiência em Londres foi fundamental para compartilhar a realidade brasileira. Quando indagado sobre os desafios enfrentados, Xavier mencionou: “As visitas são interrompidas em situações de violência armada”, ressaltando os perigos que a equipe enfrenta.
Enquanto isso, os médicos britânicos estão produzindo um livro que documentará as dificuldades enfrentadas pelo NHS e a importância de adotar o modelo de ACSs. Por outro lado, tanto Jatobá quanto Xavier reafirmam que o SUS é um sistema de saúde robusto e que continua a oferecer lições valiosas ao redor do mundo.
A troca de experiências entre os ACSs do Brasil e o NHS pode não apenas transformar os padrões de atendimento de saúde no Reino Unido, mas também reforçar a importância da abordagem comunitária nas políticas de saúde pública. Como destacou Jatobá, “O SUS é a maior conquista da população brasileira, apesar das constantes críticas e desafios enfrentados”.