A descoberta de uma organização criminosa que operava com descontos ilegais em pensões de aposentados na Paraíba trouxe à tona uma das fraudes mais extensas que envolvem o sistema de previdência social no Brasil. Esse golpe, que visava enganar pensionistas, revelava um esquema complexo que funcionava como uma rede de cooperativas fraudulentas que prometiam facilidades financeiras, mas apenas multiplicavam as dívidas dos aposentados.
O que foi o esquema?
A investigação do Ministério Público da Paraíba, em colaboração com a Polícia Civil, levou à exposição de um esquema que se assemelhava a práticas que já haviam sido denunciadas em outros estados, como Amazonas, Goiás, Pernambuco e Piauí. Em dezembro de 2024, a operação que desarticulou essa quadrilha foi realizada, quatro meses antes da operação Sem Desconto da Polícia Federal, que revelou um escândalo de corrupção ainda maior envolvendo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e figuras do alto escalão do governo.
De acordo com as apurações, o juiz Glauco Coutinho Marques, atuando na comarca de Gurinhém na Paraíba, é um dos principais envolvidos, concedendo liminares a favor de 14 associações e entidades fraudulentas que moviam ações coletivas em benefício de seus associados. Os valores que estavam sendo descontados das aposentadorias eram, na verdade, empréstimos ilegais disfarçados de contribuições associativas, cobrando juros exorbitantes.
Como funcionava o golpe?
As quadrilhas atraiam aposentados, em sua maioria idosos, oferecendo condições que pareciam vantajosas em comparação com o mercado. No entanto, esses empréstimos estavam associados a juros que poderiam multiplicar a dívida em até oito vezes. Além disso, muitos dos aposentados eram abordados sem o devido conhecimento legal das implicações que essas operações significavam.
A situação se complicava ainda mais, visto que muitas vezes não tinham consciência de que estavam sendo alvo de um esquema ilícito, uma vez que as homologações judiciais eram irregulares e as vítimas, normalmente de baixa escolaridade, ficavam à margem dos processos.
O papel das assinaturas judiciais
As associações fraudadas conseguiam garantir que seus contratos de adesão fossem homologados pela Justiça, sem que as vítimas fossem devidamente informadas ou envolvidas nos processos. Como mencionou uma fonte envolvida nas investigações, muitos desses processos corriam sob segredo de Justiça, o que é considerado tanto anômalo quanto criminoso.
Revelações da investigação
As investigações também revelaram que o esquema começou em 2016, mas ganhou força em 2023, culminando na operação Retomada do Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco) que expôs a trama. De acordo com as autoridades, as fraudes podem ter afetado até 6 milhões de brasileiros, com descontos ilegais que ultrapassam R$ 6 bilhões em pensões.
Essa recente operação não apenas revelou a gravidade do problema na Paraíba, mas também começou a chamar a atenção das autoridades federais, que perceberam a possibilidade de que esses métodos estivessem espalhados pelo país. Existem indícios de que algumas entidades já investigadas por ligações com o INSS estejam atuando em conjunto com as organizações criminosas na Paraíba.
Consequências e reações
Após os desdobramentos da operação, muitos dos envolvidos, incluindo o juiz Glauco Coutinho, foram afastados de suas funções. As autoridades continuam a investigar o envolvimento de outros magistrados e entidades, num esforço para desmantelar completamente essa rede de fraude. A Controladoria-Geral da União (CGU) já está envolvida em um trabalho de mapeamento das associações relacionadas, que inclui uma de suas principais entidades, a Associação Nacional dos Aposentados e Pensionistas da Previdência Social (AAPB), que teria captado R$ 64,5 milhões por meio do esquema criminoso.
A situação ainda é delicada e requer a atenção das autoridades para evitar que mais aposentados e pensionistas sejam enganados por práticas desonestas. A luta contra a corrupção dentro do sistema previdenciário é uma tarefa difícil, mas necessária, para garantir não apenas a segurança financeira dos aposentados, mas a integridade do sistema judicial em todo o país.
As investigações continuam e novos desdobramentos são esperados nos próximos dias. Já se fala da necessidade de revisitar e reformular a regulamentação sobre como empréstimos e associações podem operar, para assim proteger aqueles que, muitas vezes, estão vulneráveis devido à idade ou falta de informação sobre seus direitos.