Nos últimos anos, o trabalho doméstico remunerado no Brasil passou por uma significativa transformação. Enquanto a participação de trabalhadores em serviços gerais, como limpeza, tem diminuído, a quantidade de cuidadores pessoais em domicílio cresceu quase duas vezes em uma década. Essa mudança, que reflete o envelhecimento da população, evidencia uma demanda crescente por cuidados especializados, especialmente para idosos e pessoas com deficiência.
Crescimento da demanda por cuidadores pessoais
Segundo estudos do Dieese com base na Pnad Contínua, a quantidade de cuidadores pessoais subiu de 13,9% para 21% do total de 5,9 milhões de empregos domésticos entre 2014 e 2024. Este aumento é impulsionado pela necessidade de assistência a uma população idosa crescente, já que muitos idosos ficam sozinhos devido ao trabalho de seus familiares.
Lucicléia de Oliveira, uma cuidadora de 42 anos da Bahia, ilustra essa mudança. Após 17 anos como diarista, ela decidiu se especializar no cuidado de idosos ao perceber a necessidade em muitas famílias. “Enquanto prestava serviços de limpeza, vi que muitas pessoas deixavam seus pais idosos sozinhos em casa e decidi ajudar”, diz Lucicléia.
O impacto do envelhecimento da população
A projeção do IBGE indica que até 2070, mais de 40% da população brasileira terá mais de 65 anos. A Organização Pan-Americana de Saúde alerta que a necessidade de assistência prolongada deve triplicar nas Américas em três décadas, aumentando a pressão sobre serviços de cuidado.
Além disso, as famílias estão cada vez menores, tornando mais difícil para os membros mais jovens assumirem responsabilidades de cuidado. Uma pesquisa do IBGE revela que mulheres dedicam quase o dobro do tempo ao cuidado não remunerado de idosos e crianças em comparação aos homens. Com a crescente participação feminina no mercado de trabalho, a demanda por cuidadores profissionais está aumentando, especialmente entre as famílias de classes média e alta.
Desigualdade e precarização no trabalho de cuidado
Ainda que os cuidadores desempenhem um papel fundamental, a maioria enfrenta condições de trabalho precárias. Um estudo do Dieese indica que 79% dos cuidadores não têm carteira assinada e suas jornadas de trabalho são extensas e mal remuneradas. A renda média no ano passado foi de R$ 1.482, com muitas cuidadores recebendo até menos de um salário mínimo, evidenciando a precarização deste trabalho.
Pesquisadoras como Juliana Teixeira ressaltam que, apesar de haver um reconhecimento crescente da importância do trabalho de cuidado, muitos profissionais ainda enfrentam desafios relacionados à informalidade e à falta de direitos trabalhistas. “94% dos cuidadores são mulheres e 64% são negros, mostrando que o trabalho continua a ser visto como algo que deve ser inerente às suas condições sociais”, afirma Teixeira.
A nova dinâmica familiar
Com a demanda por cuidados especializados, novas dinâmicas familiares estão emergindo. Cláudia Peixoto, por exemplo, contratou três profissionais para cuidar de sua mãe após um AVC. “Trabalho sem pausa e não posso abrir mão do meu emprego, então contratei ajuda”, confessa Cláudia.
Fatores como o aumento de casamentos temporários e a mobilidade da população também têm contribuído para o crescimento do mercado de cuidados na sociedade brasileira. Ana Amélia Camarano, economista do Ipea, destaca que isso gera empregos principalmente para mulheres. “O mercado está criando oportunidades, mas ainda existem barreiras significativas”, diz ela.
A necessidade de políticas públicas
Ainda assim, a falta de políticas públicas eficazes para o setor complica a situação. Cristina Vieceli, economista responsável pelo Boletim do Trabalho Doméstico do Dieese, observa que a recente Política Nacional de Cuidados ainda carece de regulamentações claras que possam ajudar a estruturar o setor.
Vivemos um momento de transformação no trabalho doméstico no Brasil. O crescimento da demanda por cuidadores pessoais é um reflexo não apenas do envelhecimento da população, mas também das mudanças nas dinâmicas familiares e de mercado. É crucial que essa crescente força de trabalho obtenha o reconhecimento e as proteções que merece, garantindo tanto a qualidade dos cuidados prestados quanto a dignidade dos cuidadores que se dedicam a essa tarefa tão essencial.