Na Semana Santa e nos dias seguintes aos feriados religiosos, o pastor presbiteriano Valdinei Ferreira viveu uma verdadeira tormenta. Aplicado na função de educador em uma faculdade de teologia por 25 anos, ele foi cancelado nas redes sociais por cristãos indignados e demitido de sua posição. No entanto, poucos dias depois, sua demissão foi revertida. O estopim do conflito foi um artigo publicado por Ferreira na Folha de S.Paulo, intitulado “Judas traiu Jesus ou Jesus traiu Judas”, que provocou uma onda de reações nos meios religiosos.
Interpretação polêmica e reação imediata
O texto de Ferreira não desafiava a narrativa bíblica, mas apresentava uma interpretação do teólogo francês Jean-Yves Leloup, sugerindo que Judas entregara Jesus não por maldade, mas por uma crente convicção de que isso levaria à revelação do messias libertador. Ao concluir seu artigo, Ferreira fez um importante alerta sobre a necessidade de cautela em relação a visões políticas fundamentadas em certezas religiosas absolutas sobre o bem e o mal.
O título provocador foi amplamente compartilhado por Filipe Sabará, um político local, que insinuou que Ferreira estava defendendo Judas, categorizando o texto como “absurdo” e escandaloso, especialmente por ter sido publicado às vésperas da Páscoa. Como resultado, o pastor foi alvo de um linchamento virtual, principalmente por parte de membros conservadores da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPIB), onde ele serve como pastor há mais de três décadas.
A demissão e suas repercussões
No dia 23 de abril, Ferreira foi demitido da faculdade de teologia. A demissão foi considerada sem justa causa, e o pastor tomou conhecimento extraoficialmente de que seu artigo foi o motivo. Desde a ascensão de Jair Bolsonaro à presidência, Ferreira notou um aumento significativo da tensão ideológica dentro da Igreja, o que culminou em um ambiente hostil para aqueles que optam por questionar a instrumentalização política da religião.
“Os pastorais estão com medo de questionar qualquer coisa”, afirmou Ferreira. “A simples menção a temas sociais, como minorias e direitos das mulheres, pode resultar em represálias, fazendo com que alguém seja rotulado como de esquerda ou antagônico à fé.” Essa pressão ideológica é especialmente forte em igrejas históricas, onde a adesão à extrema-direita é muitas vezes justificada teologicamente, de acordo com o pastor.
Após protestos e manifestações de apoio por parte de estudantes e colegas da IPIB, a demissão foi revogada, em parte, porque Ferreira estava prestes a se aposentar. “A justificativa dada foi de que eu estou a apenas 18 meses de me aposentar”, explicou. Ele atribuiu sua readmissão ao apoio recebido de parte significativa de sua congregação que reconhece seu trabalho pastoral e teológico.
Reflexões sobre o papel da religião na política
Em tempos onde a política e a religião estão interligadas, Ferreira acredita na necessidade de resistir ao autoritarismo que permeia muitas igrejas evangélicas, mas destaca a importância de fazê-lo com amor e respeito, em vez de adotar um discurso de ódio. “Não podemos aceitar que quem não se alinha ao fundamentalismo ou bolsonarismo seja tratado como menos cristão,” diz Ferreira. “Deus não é propriedade de um grupo ou ideologia.”
Em 2022, o pastor fez parte de vozes que apoiaram a candidatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas observa que, apesar de sua preocupação com a falta de clareza do governo em dialogar com os evangélicos, não acredita que o governo esteja ignorando o segmento. “Falta clareza sobre como comunicar o papel do Estado sem aceitar as premissas do bolsonarismo,” conclui Ferreira.
Enquanto o debate sobre a moralidade e a posição da religião na política continua, a experiência de Ferreira destaca a luta interna e as divisões presentes em comunidades religiosas. Essa história nos convida a refletir sobre a liberdade de expressão e a forma como diferentes interpretações religiosas podem impactar a vida pública e privada de cada um.