Com um terço do eleitorado fora da polarização entre Lula e Bolsonaro, cresce o desencanto político entre brasileiros que se sentem órfãos de representatividade e frustrados com as condições de vida e promessas não cumpridas por lideranças conhecidas.

Rejeição à polarização alimenta desencanto político
A pesquisa Genial/Quaest revelou um cenário preocupante para os principais atores da política nacional: 33% dos eleitores afirmam não se identificar nem com o presidente Lula (PT), nem com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Este contingente, que cresce à medida que o país se aproxima das eleições de 2026, demonstra fadiga com os discursos polarizados e insatisfação com as condições atuais de vida.
Esse grupo, apelidado de “nem Lula, nem Bolsonaro”, é composto majoritariamente por mulheres e pessoas com renda intermediária, fora da base de programas sociais como o CadÚnico. Apesar de 40% considerarem o governo Lula “regular”, muitos avaliam sua gestão como uma repetição do que foi vivido sob Bolsonaro.
Desconfiança, insegurança e perda de esperança
O projeto Plaza Publica, uma pesquisa qualitativa recente, confirmou esse desalento. Conduzido com eleitores do Rio e de São Paulo que votaram em Lula ou Bolsonaro, mas hoje estão indecisos, o levantamento captou uma deterioração na percepção de qualidade de vida. Reclamações sobre preços de alimentos, insegurança pública e descrédito generalizado se repetem.
“Está caro para comer, não tem segurança e a qualidade de vida está um lixo”, desabafou um ex-eleitor de Lula, de 45 anos. Já um jovem de 26 anos que votou duas vezes em Bolsonaro disse buscar “um novo nome”, cansado das mesmas promessas de sempre.

Empreendedorismo de subsistência e busca por autonomia
Outro traço comum entre os “nem, nem” é a valorização do trabalho autônomo como forma de sobrevivência e independência. Muitos rejeitam tanto a estrutura do mercado formal quanto programas assistenciais, enxergando-os como símbolos de uma “cultura de escassez”.
O programa “Acredita”, lançado por Lula para apoiar microempreendedores, reflete essa tentativa de aproximação. Já aliados de Bolsonaro se posicionam contra a regulamentação de aplicativos, apostando na manutenção da informalidade como opção de liberdade econômica.
Desinformação e invisibilidade nas políticas públicas
Dados da Quaest mostram que 53% dos sem posicionamento político desconhecem a proposta do governo federal de isentar do imposto de renda quem ganha até R$ 5 mil. A falta de informação aponta para uma desconexão entre esse eleitorado e as ações do Estado.
A antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, da Universidade de Dublin, destaca que esse grupo anseia por reconhecimento, mas se sente à margem do debate político. “Há uma frustração grande com a perda de poder de compra e uma aspiração legítima de cidadania”, analisa.
À direita, mas sem Bolsonaro
Apesar de se alinharem com pautas conservadoras — como críticas ao “politicamente correto” e à pauta identitária —, muitos rejeitam a figura de Bolsonaro. Apoiadores do 8 de Janeiro, por exemplo, não encontram respaldo entre esses eleitores, embora haja críticas ao Supremo Tribunal Federal.
Figuras como Pablo Marçal e Tarcísio de Freitas surgem como possíveis alternativas. Mesmo assim, só são mencionados quando estimulados, o que revela um vácuo de lideranças claras nesse espectro.
Segundo o cientista político Antonio Lavareda, o futuro desse eleitor ainda é incerto: “É um grupo que votará com base na realidade material e nas opções de última hora. Está mais próximo do discurso da direita, mas sem vínculos sólidos”.