Segundo Menezes Leilano, em artigo intitulado “O JK que Brasília não viu”, publicado no Correio Braziliense de 17 de setembro de 2011 (Cidades, página 42), ao morrer, Juscelino Kubitschek carregava no bolso o recorte do texto que Carlos Chagas escrevera sob o título Brasília não vê JK chorar. As observações decorriam de visita silenciosa que o ex-presidente fez à capital em 1972.
Em filmete, expunha que o idealizador de Brasília esteve proibido de visitá-la por muito tempo. Sentia-se como um pai que não acompanha o crescimento dos filhos. No retorno à capital, emocionou-se. Comentou que, quando viu a cidade, feérica, festiva, sentiu-se “como um súdito galês que fosse pela primeira vez a Roma. Iria deslumbrar-se com os palácios de mármore, na cabeça do império romano. Foi a sensação que eu tive ao ver Brasília, com aquela iluminação fosforescente e cristalina”.
Carlos Chagas comentou que JK dissera: “a chuva continuava forte. Os pingos pareciam laranjas e atingiam a gente sem dó…ao ver a catedral, tive a sensação de estar entrando no Coliseu romano “. E lhe pareceu o símbolo maior da grandeza da cidade. Os ocupantes de outros veículos não imaginavam o passageiro precioso que nosso carro levava. Foram à Praça dos Três Poderes, onde viu sua efígie, dizendo de cor as palavras constantes da laje. “Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu País e antevejo essa alvorada com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino”. Não apenas a chuva escorria por suas faces molhadas…
A propósito, Vera Brant comentou sobre a Fazendinha JK que ele adquirira. Certo dia, ao dela sair para Anápolis, num aviãozinho, com João Milton Prates, o aparelho começou a vazar óleo, com pressão baixa e muito calor. O piloto pediu à torre de controle do aeroporto da capital licença para aterrissar. Indagaram quem estava a bordo. O comandante disse e o pouso foi sumariamente negado com a determinação de prosseguirem para Luziânia! Acabaram aterrissando, em estado de absoluta emergência, no lusco-fusco e ao apagar das luzes do dia, em pista de uma fazenda.
Ela contou que temia falecer sem ver seu país livre. E observou ao presidente que iam entoar o Mãe Gentil dando ênfase à parte ”já raiou a liberdade do horizonte do Brasil”. Chegou a chamar o Milton Nascimento que entoou o Peixe vivo, dando ênfase ao trecho “Como poderei viver sem a tua companhia?”
Surge seu grande amigo Adolpho Bloch exibindo a cama em que dormiu pela última vez ao comentar que estava com um bilhete para ir a Brasília. No voo sentou-se ao lado de Ulysses Guimarães. Revelou que falaram sobre democracia, a necessidade de transmissão governamental sem armas e JK disse temer que o novo governo não acompanhasse as necessidades da sociedade. Veio a falecer no dia 22 de agosto de 1976.
Seu corpo foi conduzido para Brasília, onde foi enterrado. Inicialmente no Campo da Esperança. Depois, trasladado para o Memorial JK. Fui receber o esquife no aeroporto e acompanhei monumental carreata. Havia milhares de motocicletas e um imenso buzinaço. Levado à Catedral para a Missa de corpo presente. A partir daí o povo o conduziu para o cemitério.
Terminei o livro de minha autoria Eu fui advogado de JK , citando o final de meu discurso na sessão especial na Câmara dos Deputados (22/9/76) :
“E o povo, que no fatídico dia 23, o homenageava ao acompanhá-lo à última morada, enquanto cantava o Hino Nacional e o Peixe Vivo, em verdade, festejava a sua posse no campo da eternidade.”
Falei em seu falecimento. Mas quero abordar alguns aspectos de Juscelino que era sinônimo de vida! Otimismo, bravura, coragem, força, paciência, compreensão, afabilidade, cidadania, respeito, misericórdia, comunicabilidade, sorriso, tolerância, ternura, rapidez, intrepidez e vislumbre para positivas situações novas eram algumas de suas características.
O nosso relacionamento, não se resumiu a inúmeras oportunidades de encontros, (de 1955 a 1964), mas converteu-se, efetivamente, em um estreito convívio (de 1968 a 1976).
A primeira vez em que estive em sua presença ocorreu em junho de 1955. Era menino de 11 anos (estudante do curso de Admissão no Colégio Padre Antonio Vieira) ,em jantar na casa de meu avô paterno, Deputado Federal Hugo Napoleão, na rua Marechal Bento Manoel, 18, Botafogo, Rio de Janeiro. Compareceu o governador do Piauí, Gaioso e Almendra. A campanha eleitoral se avizinhava e, naturalmente, estavam formulando tratativas, como visita a do candidato a Teresina, um comício e diversos encontros com políticos do PSD, Partido Social Democrático.
O Vovô fora seu colega na Câmara dos Deputados, Palácio Tiradentes, desde 1935. Viria a ocupar a posição de Líder da Maioria do seu governo, sucedendo Armando Falcão que tinha sido nomeado Ministro da Justiça. E meu pai, Aluizio Napoleão, diplomata concursado, então Ministro, veio a ser Chefe do Cerimonial da Presidência da República do Presidente Nereu Ramos. Juscelino, ao assumir em 31 de janeiro de 1956, o manteve na posição.
Mas a mamãe e o papai me levaram a vários eventos, inaugurações e festividades nos palácios das Laranjeiras, Rio de Janeiro, do Rio Negro, em Petrópolis e da Alvorada em Brasília. Foi aí que convivi com as filhas Marcia e Maria Estela. Da primeira, tive a oportunidade de ser colega no Congresso Nacional; da segunda, a alegria de um magnífico prefácio no livro acima citado.
Já Presidente, em fevereiro de 1957, deslocou-se para Teresina no avião presidencial, um C-47 da FAB, para uma concentração no Palácio de Karnak e a inauguração da ponte sobre o Rio Poty que hoje leva as iniciais de seu nome. Eu estava em férias escolares, na companhia dos irmãos de minha avó, Antonio Freitas, presidente regional do PSD, e Pedro Freitas, ex-governador. O povo aplaudia e vibrava. A obra era do DNOCS cujo diretor regional era João Martins do Rego, meu tio-avô.
Houve outro evento extremamente significativo ao qual o papai me levou. Com a vitória do Brasil na Copa do Mundo de 1958, em Estocolmo, Suécia, os jogadores ao chegarem na capital se dirigiram em carro aberto ao Palácio do Catete para participar de uma cerimônia popular, ocasião em que o presidente os condecorou. A multidão se comprimia na rua Silveira Martins e estava frenética.
Por falar no papai, o concurso para o Itamaraty ocorreu em 1939, pelo DASP. Foi aprovado junto com Roberto Campos que veio a ser embaixador, renomado economista e Ministro. Dele, tive a honra de ser colega no Senado Federal. Papai e ele também serviram juntos como segundos-secretários, na Embaixada em Washington, DC. Eu era menino de 1 ano e pouco. Lá nasceu Roberto Campos Filho. Pois bem, tive, agora no final de dezembro de 2024, a grata satisfação de visitar Roberto Campos Neto na presidência do Banco Central do Brasil, onde passou seis anos. Rica conversa repleta de inúmeras recordações, lembranças e reminiscências. Falei sobre meus diálogos com o avô quando éramos senadores, na sala de café situada atrás do plenário do Senado Federal.
Convém relatar um fato. No dia 17 de novembro de 2017, tive, em São Luís do Maranhão, uma conversa muito agradável com meu querido amigo, presidente José Sarney de cujo governo fui Ministro da Cultura e da Educação. Ocorreu durante o jantar comemorativo das Bodas de Ouro de Benedito Buzar, presidente da Academia Maranhense de Letras. Disse que, quando era governador do estado, foi patrono de uma turma de engenharia da qual JK era paraninfo. No dia seguinte, ofereceu-lhe um almoço no Palácio dos Leões findo o qual se dirigiram ao aeroporto. Sarney ia para Recife, participar da reunião de governadores na SUDENE e o presidente ao Rio onde seria patrono de uma turma de medicina.
A solenidade, no dia 13 de dezembro, foi no Teatro Municipal. O paraninfo, um amigo da minha família, o professor piauiense Deolindo Couto, criador do Instituto de Neurologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Neste dia foi baixado o Ato Institucional número 5. Após a cerimônia o presidente foi preso por um coronel do Exército.
Sabendo do ocorrido, dirigi-me à sua residência, na avenida Vieira Souto. Quase imediatamente procurou-me o Rodrigo Lopes, marido da Maria Estela, informando que o sogro fora conduzido ao forte de São Gonçalo. Para lá seguimos. Lá, declinei minha condição de advogado ao “cabo-de dia” esclarecendo que queria avistar-me com o meu cliente. O suboficial comunicou a um coronel que disse não ser possível. Nem mesmo o genro podia ver o sogro. De fato apenas seu médico particular, Dr. Aloísio Sales, tinha permissão de avistá-lo. Lá esteve, prestou assistência e voltou horrorizado. Foi encontrá-lo em alojamento no final da construção, um cubículo infecto com um catre, uma mesa, um velho sofá roto e, no canto, uma privada sem tampa dotada de um arame enferrujado para descarga.
O médico lá fora a pedido de D. Sarah que descobrira onde estava o marido graças a Marcos Tamoyo, ex-secretário do governador Carlos Lacerda, que intercedeu junto ao Comandante do 1º Exército, General Syzeno Sarmento. Este mandou procurar o Coronel Portela que deu o acesso.
Na prisão, ao pisar num cabide, rompeu o tendão de Aquiles e teve que ser operado de emergência. Concederam sua transferência para a nova residência na avenida Atlântica, 2038. Ficou numa cama de hospital, com a perna engessada e levantada por um fio preso no teto.
A Comissão Geral de Investigações instituiu um processo, lavrando uma intimação com base no Decreto-lei n. 359 de 17 de dezembro de 1968. Foi conduzida por um coronel do Exército que acompanhou os advogados Sobral Pinto e Evaristo de Moraes Filho. O presidente leu o documento e verificou dele constarem sete quesitos. Diante das circunstâncias, nada de concreto puderam conversar. Quando saíram, estupefata, D. Sarah indagou: -O que fazer? Ele respondeu: -Chama o Hugo Napoleão!
Como chegar lá? Só estavam autorizados o médico, as filhas, os genros, o sobrinho Carlos Murilo, o motorista, e as empregadas. Havia um General na porta do edifício.
Rodrigo e Maria Estela me chamaram ao seu apartamento, onde se encontrava o advogado Jorge Tavares, associado no escritório do Evaristo. Quanto à minha entrada ela sugeriu que eu fosse como enfermeiro da família. Acompanhei o casal com a filha Marta Maria no meu colo. O carro desceu a rampa da garagem e ocupamos o elevador de serviço.
Ao ver-me, o presidente exibiu um sorriso e os olhos cintilaram. Abordamos os sete quesitos da intimação. Tinha segurança quanto a cinco. Portanto, dúvida sobre dois. Tratavam de indagações ligadas ao direito penal. Sugeri avistar-me com o Evaristo, depois do que eu voltaria à sua presença. D. Sarah combinou que nos telefonaríamos para combinar a aplicação de injeção de calmante. Até hoje nunca manejei uma seringa…
O colega combinou conversar fora do escritório pois lá descobrira um gravador embutido. Marcou no Campo de Santana, praça onde Deodoro da Fonseca proclamara a República. Saímos caminhando no parque até o antigo Senado do Império, depois Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro. Nossos sentidos estavam tão aguçados que ouvíamos até o piar das aves, a queda das folhas, de pequenos galhos e os passos dos transeuntes. Ele aprovou minhas cinco respostas e orientou-me quanto às outras duas, salientando que eu nada anotasse.
Nos despedimos e retornei para prestar contas ao muito querido presidente.
A partir deste ponto, são outros quinhentos!!!
*Hugo Napoleão do Rego Neto é um advogado e político brasileiro com carreira no Piauí. Formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) em 1967. Iniciou sua carreira profissional com um estágio na Procuradoria-Geral de Justiça da Guanabara. Titular do escritório Hugo Napoleão Advogados Associados, em Brasília, desde 2003. Foi Assessor jurídico do Banco Denasa de Investimentos S/A (1968) e membro do Escritório de Advocacia Nunes Leal (1971). Professor no Instituto de Administração e Gerência da Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, em 1973. Deputado federal por três mandatos. Governador do Piauí de 1983 a 1986 ( primeiro escolhido por voto popular após 20 anos) e de 2001 a 2003. Ministro da Educação (1987-1989), da Cultura (1988) e das Comunicações (1992-1993). Senador da República por dois mandatos (1987 a 1995) e (1995 a 2001). Membro da Academia Piauiense de Letras (APL) e da Academia Brasiliense de Letras (ABrL).