A temperatura subiu no setor varejista brasileiro nos últimos dias, com o acirramento do debate sobre uma proposta que envolve a venda de medicamentos isentos de prescrição médica em supermercados. A sugestão, defendida pela Abras (Associação Brasileira de Supermercados), foi apresentada ao governo como parte de um conjunto de medidas destinadas a reduzir a inflação dos alimentos. No entanto, a ideia gerou forte resistência de representantes do setor farmacêutico.
A controvérsia ganhou força após Eugenio De Zagottis, acionista da Raia Drogasil e membro da família fundadora da rede, criticar publicamente a proposta nas redes sociais. Ele argumentou que a venda de medicamentos em supermercados, sem a devida supervisão farmacêutica, poderia resultar em riscos à saúde pública e prejudicar as farmácias tradicionais, que operam sob regulamentações rígidas e custos elevados.
Zagottis também destacou que os supermercados já têm a possibilidade de operar farmácias próprias, desde que cumpram os mesmos requisitos legais impostos às drogarias tradicionais, como a presença de farmacêuticos em tempo integral. Ele apontou que muitas redes abandonaram suas farmácias nos últimos anos devido à falta de competitividade, especialmente em termos de preços.
Por outro lado, João Galassi, presidente da Abras, defendeu a proposta, alegando que ela ampliaria o acesso da população a medicamentos isentos de prescrição, com supervisão regulatória e conformidade com as normas da Anvisa. Ele afirmou que muitos supermercados já operam farmácias e possuem a capacidade de comercializar medicamentos de maneira responsável.
Proposta pretende reduzir a inflação de medicamentos
O debate tem implicações diretas para a economia do setor varejista. Um relatório do Itaú BBA, divulgado recentemente, projeta que a venda de medicamentos em supermercados poderia impactar até 15% das grandes redes de farmácias, como Raia Drogasil, Pague Menos e Panvel. A força dos supermercados, combinada com sua vasta presença nacional, tornaria a concorrência ainda mais acirrada.
As farmácias, por sua vez, temem que a proposta aumente ainda mais seus desafios financeiros, em um momento em que muitas já enfrentam margens apertadas. Representantes do setor farmacêutico têm se mobilizado para pressionar o governo e evitar a aprovação da medida, alegando que a falta de supervisão rigorosa nos supermercados poderia comprometer a segurança no consumo de medicamentos.
Em resposta às críticas, Galassi afirmou que o foco da Abras não é expandir o número de farmácias, mas garantir que os medicamentos sem prescrição estejam mais acessíveis ao consumidor, dentro das normas regulatórias.
Segundo empresários ouvidos, o impacto da medida na inflação seria limitado, considerando que outros fatores macroeconômicos, como o custo de insumos importados e o câmbio, têm peso significativo na formação dos preços. “Uma redução real nos preços dos alimentos depende de um dólar mais baixo, o que exige compromisso com a saúde das contas públicas”, afirmou um economista.
Pressão política
A discussão sobre a venda de medicamentos em supermercados ganhou os corredores do Congresso Nacional. Representantes dos setores de alimentos, farmácias e supermercados têm se reunido com parlamentares e membros do governo, incluindo Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, e Rui Costa, ministro da Casa Civil.
Enquanto as farmácias contam com apoio de figuras importantes do governo para barrar a medida, os supermercados pressionam para que a proposta avance em regime de urgência. O receio das farmácias é que, com apoio político suficiente, o projeto de lei 1774/2019, que trata do tema, possa ser aprovado rapidamente.