O mercado de apostas esportivas e cassinos online, popularmente conhecido como “bets”, movimentou impressionantes R$ 240 bilhões em 2024 no Brasil. Apesar de seu crescimento exponencial e impacto no entretenimento digital, as bets têm gerado preocupações significativas em relação ao endividamento das famílias, evasão de recursos do varejo e lacunas regulatórias que afetam a economia formal.
Segundo um estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), divulgado nesta quinta-feira (16), o varejo brasileiro deixou de faturar R$ 103 bilhões no último ano devido ao redirecionamento de recursos para plataformas de apostas. O levantamento destaca que as bets não apenas impactam os apostadores diretamente, mas também geram efeitos adversos em larga escala para a sociedade.
O limbo regulatório das Bets
Autorizadas pela Lei Federal 13.756, de 2018, as bets se expandiram rapidamente, especialmente as modalidades de cassino online, como o popular Jogo do Tigrinho, que respondem por 80% dos gastos dos usuários nessas plataformas. Economistas alertam que a ausência de regulamentação robusta permitiu que cassinos online se proliferassem sem supervisão, criando um “limbo regulatório” que facilita atividades ilícitas, como lavagem de dinheiro, além de desviar recursos de setores produtivos.
“A popularidade crescente das bets tem comprometido a renda das famílias, prejudicado o varejo e gerado efeitos econômicos que vão além do entretenimento”, afirma o estudo.
Endividamento e inadimplência
Estima-se que 1,8 milhão de brasileiros ficaram inadimplentes em 2024 devido às apostas. O impacto foi mais severo entre as famílias de baixa renda. Entre aquelas com rendimentos entre 3 e 5 salários mínimos, o percentual de contas em atraso aumentou de 26% para 29% em um ano, enquanto entre famílias com renda superior, o índice caiu.
O problema não se restringe ao endividamento. Nota técnica do Banco Central revelou que beneficiários do Bolsa Família gastaram cerca de R$ 3 bilhões em apostas online em 2024, levantando debates sobre o desvio de finalidade do programa de transferência de renda.
Esforços regulatórios e lacunas persistentes
Apesar das preocupações, iniciativas para controlar a atividade têm sido insuficientes. A Portaria nº 1.231/2024, do Ministério da Fazenda, estabeleceu algumas regras, como a proibição de crédito para apostas e limitações na publicidade. No entanto, medidas mais amplas, como limites de apostas e mecanismos de proteção aos jogadores, ainda não foram implementadas.
O governo federal enfrenta desafios técnicos para atender decisões judiciais que exigem bloqueio de recursos de programas sociais em apostas. Enquanto isso, as bets continuam a operar com impacto significativo na economia e no tecido social.
Cassinos físicos como alternativa
A CNC propôs a regulamentação de cassinos físicos como uma alternativa para equilibrar os impactos das bets online. A entidade argumenta que cassinos presenciais poderiam gerar até R$ 22 bilhões em impostos anuais, criar empregos e estimular economias locais. Em comparação, os cassinos online têm potencial máximo de arrecadar R$ 14 bilhões por ano, segundo a Receita Federal.
Porém, a proposta enfrenta resistência de setores religiosos e críticos do vício em jogos de azar. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece o vício em apostas como um problema de saúde pública, reforçando a necessidade de regulamentação rigorosa.
Setor em expansão, mas em debate
O mercado de bets no Brasil continua a crescer em ritmo acelerado, mas seu impacto econômico e social levanta questões urgentes sobre regulação, proteção ao consumidor e sustentabilidade econômica. A falta de controle tem permitido que os jogos online comprometam orçamentos familiares, gerem inadimplência e desviem recursos do comércio tradicional.
O debate sobre como equilibrar o crescimento dessa indústria com a proteção dos mais vulneráveis e a integridade econômica está apenas começando, mas exige uma resposta rápida e eficaz do governo e da sociedade. A regulamentação, com foco na transparência, limites de apostas e programas de prevenção ao vício, será crucial para mitigar os danos e assegurar que o setor opere de forma responsável e benéfica para o país.