Teresina, 16 de dezembro de 2024
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Uma chama no quartel

A reação de Jair Bolsonaro à prisão do general Braga Netto – um quatro-estrelas, peça-chave de seu governo – adiciona nitroglicerina ao já explosivo palco político nacional. Não há precedentes: nenhum oficial desse calibre havia amargado tal destino, expondo o Exército a um constrangimento histórico. Ao contrário do que muitos pensam, o impacto desse episódio não se restringe à calculadora eleitoral. É no coração da caserna que o baque pode ser ainda mais profundo.

O Exército, tido como um reduto do conservadorismo, vê-se agora diante de um enigma: seus códigos internos, sua honra, a relação quase religiosa com a hierarquia e a disciplina, tudo ameaça ser reexaminado à luz dessa história. Analistas já sussurram que a repercussão vai muito além de embates partidários. O questionamento recai sobre a própria imagem das Forças Armadas, sua função num Estado Democrático de Direito e o quão firmes estão suas convicções diante de líderes políticos que não hesitam em meter o bedelho num terreno até então exclusivo dos generais.

Se no passado o quartel era guardião incontestável dos seus, agora o país assiste à tensão entre o poder civil – que prende – e a velha liturgia militar, que não sabe bem o que fazer. A pergunta que fica: o Exército vai resistir ao calor desta prova de fogo, mantendo-se fiel à Constituição, ou deixará a centelha acesa por Bolsonaro incendiar suas tradições e valores? O futuro dirá, e não será um julgamento brando.

O silêncio no quartel

A prisão de um general quatro estrelas – figura outrora intocável – caiu sobre as Forças Armadas como um piano no meio da sala. O clube militar, que outrora já se ergueu para defender comandantes e ideais, hoje se enrola em um silêncio de mármore. Dois ou três generais murmuram, discretos, mas a corporação em massa cala. Esse silêncio monumental é um enigma: vergonha? Revolta?

A cada dia que passa, a mudez se torna mais eloquente do que qualquer discurso inflamado. A velha guarda deve estar engolindo a seco o constrangimento ou, quem sabe, fervendo por dentro, indignação contida, prestes a explodir. Seja qual for o sentimento, o fato é que o Exército, essa instituição acostumada a ditar o tom e manter as rédeas, agora tateia no escuro, incerta sobre o que transmitir à tropa e ao país. Nesse cenário, o silêncio não é apenas política; é um grito abafado, uma tensão prestes a romper a fina película da disciplina.

A anistia e o cadáver no armário

Eis que o ministro do STF, Flávio Dino, aciona um detonador jurídico ao reconhecer a repercussão geral sobre a impossibilidade da anistia a um crime permanente: a ocultação de cadáver. Crime político? Crime comum? O fato é que a Lei da Anistia de 1979, concebida no calor da transição da ditadura, abriu margem para perdoar os algozes do passado – dos dois lados.

Agora, o Supremo se prepara para decidir se a ocultação de cadáver pode ou não ser anistiada. Trata-se de um crime que não prescreve, pois seu horror se renova a cada novo dia sem esclarecimento. E se a corte decidir que não há perdão para isso, que mensagem enviamos aos que estão acostumados a ignorar vestígios inconvenientes? Só o tempo dirá.

Com a repercussão geral, a sentença do STF não ficará presa às cátedras de Brasília e espalha-se por todo o país como um vento que levanta tapetes e expõe a sujeira. Talvez isso signifique anular a confortável amnésia institucional com a qual aprendemos a conviver.

Pólvora na memória

O país vive uma espécie de triplo espetáculo, e não há bilheteria que dê conta de tanta tensão. De um lado, a prisão de um general quatro estrelas – algo impensável há poucos anos – traz à tona a vulnerabilidade de um poder antes tido como inabalável. Ao mesmo tempo, Flávio Dino, ministro do STF, cutuca a lei de Anistia, questionando se crimes como a ocultação de cadáver – um horror que se prolonga no presente – devem ou não ser perdoados. E então surge “Ainda Estou Aqui”, o filme sobre Rubens Paiva, um desaparecido cujos restos mortais nunca conheceram um sepultamento decente.

Essa combinação é nitroglicerina pura

Revisitar o passado dos porões do regime militar justo quando um general dorme na cadeia?

O fantasma de Rubens Paiva, o debate sobre o perdão a algozes e o Exército encarando o espelho são ingredientes de um coquetel que ninguém sabe se detonará um ajuste de contas histórico ou se resultará numa onda de rancor e revanchismo. Há quem prefira não mexer nesses barris de pólvora, mas a verdade é que eles sempre estiveram lá, silenciosos, esperando o momento de explodir. Agora, diante das câmeras e da ribalta do Judiciário, o passado exige respostas. E elas podem ser mais duras do que gostaríamos de admitir.

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