Manhã de 15 de outubro de 2024. A pacata cidade de Igrejinha, no interior do Rio Grande do Sul, amanhece envolta em perplexidade e horror. Antônia, de apenas 9 anos, foi encontrada sem vida, em um cenário que fazia eco à tragédia ocorrida uma semana antes com sua irmã gêmea, Manuela. O silêncio das montanhas que circundam a cidade parecia amplificar a pergunta que ninguém queria verbalizar: como uma mãe poderia ser responsável por tamanha dor?
Michel Persival Pereira, 43 anos, caminhoneiro, é um homem quebrado. “Eu saí para trabalhar, voltei e tinha uma filha morta. Depois saí para ir ao mercado, voltei e tinha outra filha morta. Eu não sei o que aconteceu. Não quero acreditar que foi a mãe delas, mas não há outra explicação”, desabafou à RBS TV, com os olhos embaçados pelas suas lágrimas.
Um mistério revelado aos poucos
A investigação policial começou a juntar as peças logo após a segunda morte. Com a cidade ainda em luto pela pequena Manuela, as circunstâncias de Antônia despertaram suspeitas. A mãe das crianças, Gisele Beatriz Dias, havia sido internada semanas antes na ala psiquiátrica de um hospital, onde relatou ter “ideias perversas” em relação às filhas. A Polícia Civil tratou o caso com cautela, mas os depoimentos começaram a traçar um quadro perturbador.
A filha mais velha de Gisele foi uma das vozes que reforçaram as suspeitas. “Ela é plenamente capaz de fazer isso”, afirmou em seu depoimento. A opinião foi corroborada por médicos que atenderam Gisele e por análises preliminares que sugeriram a possibilidade de envenenamento.
Com quase duas mil páginas, o inquérito remetido à Justiça levou ao pedido de prisão preventiva de Gisele, agora cumprido. Segundo o delegado Ivanir Luiz Moschen Caliari, as evidências apontam para a ingestão de substâncias tóxicas pelas meninas, mas as perícias ainda buscam respostas definitivas.
Uma história de perdas e desencontros
A tragédia das gêmeas não começou em 2024. Em 2022, Gisele perdeu a guarda das filhas após abandoná-las na casa de uma vizinha. Elas passaram meses em um abrigo antes de serem acolhidas pelo avô materno. O histórico de vulnerabilidades familiares colocou as crianças em situações de risco desde muito cedo. No entanto, ninguém poderia prever o desfecho cruel que estava por vir.
O passado das meninas e os conflitos na dinâmica familiar são elementos que os investigadores não ignoram. Segundo o Conselho Tutelar, episódios de negligência marcaram a história da família. A mãe, entre períodos de instabilidade mental e fragilidades sociais, nunca conseguiu retomar plenamente as rédeas da maternidade.
O que resta ao pai e à cidade
“Difícil entender”, repete Michel, como um mantra que tenta apaziguar sua mente. Como toda criança, as filhas eram “pura alegria”. Antônia devia gostar de desenhar; Manuel, uma gargalhada que “enchia a casa”. Agora, são memórias que ecoam em uma casa e nos corações vazios.
“Agora pensar que alguém fez mal pra elas, pior ainda, a mãe? É muita crueldade fazer isso. Eu não quero pensar nisso”, disse o pai.
Igrejinha também sofre. Pequena, com pouco mais de 30 mil habitantes, a cidade se acostumou a ser um lugar de tranquilidade. Essa paz foi quebrada, deixando uma cicatriz profunda. Em frente à escola das meninas, colegas e professores montaram um memorial com flores e desenhos, tentando transformar o horror em homenagens.
Enquanto as investigações prosseguem, a comunidade busca forças para lidar com a perda e as revelações que se acumulam. Na Justiça, a prisão preventiva de Gisele sinaliza o compromisso das autoridades com a busca por respostas.
No final, é o amor pelas gêmeas que unifica todos em Igrejinha. Não importa onde essa história termine, a memória de Manuela e Antônia será o que guiará as orações e os passos de quem ficou sob a sombra de uma tragédia que comoveu uma cidade.