Quebrando limites entre o jornalismo, a história e a ficção, “The Secret Agent”, dirigido por Kleber Mendonça Filho e estrelado por Wagner Moura, reconstitui um Brasil de 1977 sob a ditadura militar, levando o espectador a refletir sobre memória, repressão e resistência. O filme, premiado no Festival de Cannes, traça uma narrativa carregada de simbolismos e ecos de um passado que ainda assombra o presente brasileiro.
A construção de uma memória nacional na tela
Ambientado na fase final da ditadura, o filme retrata o cotidiano sob o governo de Ernesto Geisel, cuja presença é marcada por retratos e uma atmosfera de ameaçadora opacidade. Mendonça Filho, filho de historiadora, estrutura seu cinema como uma “exercício de memória”, uma tentativa de confrontar um Brasil que muitas vezes prefere esquecer seus momentos mais sombrios. “Brazil tem uma coisa com a memória; às vezes, a gente prefere não lembrar”, comenta o diretor.
Ao inserir a figura de Geisel em cenas, através de retratos que permeiam as interiores do filme, Mendonça Filho reforça a ideia de que o autoritarismo ainda ecoa na cultura e na sociedade brasileiras, muitas vezes de modo disfarçado, como um espectro que assombra os espaços do presente. Para o cineasta, essa representação é fundamental para entender o impacto duradouro da repressão na formação da identidade nacional.
O enredo, a política e a resistência na narrativa
Wagner Moura interpreta Armando, um professor que, na narrativa, tenta fugir de uma injustiça, enquanto busca reconectar-se com seu filho, Fernando (Enzo Nunes). A história fala de silêncios, de segredos e de uma luta silenciosa contra forças que tentam apagar a memória. Apesar de parecer uma narrativa de espionagem, o filme vai muito além do gênero, dialogando com o momento político atual, marcado pelo retrocesso de conquistas democráticas.
Memória e amnésia social
O filme sugere que o Brasil convive, muitas vezes, com uma espécie de “amnésia coletiva”, como aponta Mendonça Filho: “Às vezes, o país prefere deixar as coisas para trás, como uma autoterapia coletiva, para não confrontar seu passado sombrio.” A recente ascensão de figuras como Jair Bolsonaro, por exemplo, é vista como um sintoma dessa dificuldade em lidar com as tragédias e os horrores do regime militar.
Exemplos dessas memórias não resolvidas aparecem na figura de Dilma Rousseff, que, tendo sido torturada na ditadura, simboliza o confronto com essa história, mesmo sob governos democráticos. Mendonça filho explica que “é quase como uma questão de sobrevivência para o Brasil tentar ignorar seus momentos mais difíceis, mas a história insiste em se revelar.”
A arte de recordar
“The Secret Agent” funciona como uma espécie de exercício de memória, convidando o espectador a revisitar uma época de repressão e resistência, refletindo sobre a importância de lembrar para não repetir. Mendonça Filho, com sua estética expansiva e sensível, cria um espaço de contemplação onde as ações humanas, mesmo diante de atrocidades, permanecem vivas e presentes.
Wagner Moura, que também participa como ator e colaborador, reforça essa ideia ao afirmar que busca “dar à narrativa a lógica da vida”, isto é, uma lógica que reconhece a complexidade das experiências humanas, mesmo em tempos de crise.
Impacto e recepção internacional
Ao conquistar prêmios em Cannes, além de nomeações como a do Palma de Ouro, “The Secret Agent” demonstra a força do cinema brasileiro contemporâneo em dialogar com temas universais. Sua recepção acentuou a relevância de revisitar histórias que costuram passado e presente, evocando uma memória coletiva que muitas vezes é negligenciada ou silenciada.
O filme, portanto, não só traz à tona as cicatrizes de um Brasil autoritário, mas também propõe uma reflexão profunda sobre o valor da memória, da história e da resistência cultural — elementos que, mesmo hoje, continuam moldando a identidade brasileira.
O próprio Mendonça Filho, ao falar sobre o filme, reforça que “o Brasil tem uma relação complicada com sua memória, mas é preciso lembrar para construir um futuro mais consciente.”

**Meta Descrição**: Conheça como “The Secret Agent”, de Mendonça Filho, dialoga com a memória do Brasil sob a ditadura e sua relevância no contexto atual.
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