No coração do Rio de Janeiro, a história e a memória se encontram em um projeto inovador que promete transformar a Zona Portuária. O projeto “Pequena África: Memória Continental”, liderado pela arquiteta americana Sara Zewde, foi o grande vencedor do Concurso BNDES Pequena África, uma iniciativa que visa a requalificação deste distrito histórico. O objetivo é promover um espaço que não apenas preserve a memória da escravidão, mas que também crie um local de convívio e reflexão para as futuras gerações.
A importância do Cais do Valongo
O Cais do Valongo, reconhecido como Patrimônio Cultural Mundial pela UNESCO, foi o principal ponto de desembarque de africanos escravizados nas Américas. Considerado o maior achado material da história da escravidão no continente, o local se torna um marco fundamental para o projeto de Zewde. Em uma recente entrevista ao g1, a arquiteta destacou a relevância do Cais do Valongo: “É uma janela para a história mundial, do mundo em que a gente vive, que foi construído por esse processo da escravidão”.
Requalificação do espaço público
O projeto propõe uma série de intervenções urbanísticas que conectam passado e presente. Uma das principais inovações é a criação de uma rampa ampla, com inclinação suave de 5%, que parte de um baobá — árvore símbolo da África — até o sítio arqueológico. “Eu quis repensar a ideia do memorial em si”, explica Zewde, ressaltando que a memória deve ser preservada de maneiras que fazem eco à cosmologia afro-brasileira.
Elementos que inspiram a memória
O plano também inclui a criação de espelhos d’água rasos, que evocam a presença do mar e o último contato dos africanos escravizados com suas terras natais. “Essa ‘procissão silenciosa de elementos aquáticos’ busca inspirar solenidade nos visitantes”, afirma a arquiteta. Enquanto a água e a vegetação ajudam a criar um microclima mais fresco, as intervenções visam atrair tanto locais quanto turistas.
Transformando espaços de dor em locais de cura
Outro aspecto inovador do projeto é a transformação do antigo Largo do Depósito, um espaço associado à venda de pessoas escravizadas, em um jardim de cura e reflorestamento. A Praça da Harmonia também será um foco de revitalização, com a introdução de “jardins de brincar”, inspirados na geometria da arte africana. “Quis transformar um espaço de tortura em um lugar de cura”, ressalta Zewde, que valoriza a necessidade de criar espaços que promovam a reflexão e inclusão social.
O papel do BNDES e a Iniciativa Valongo
O Concurso BNDES Pequena África destaca a importância de envolver arquitetos e urbanistas negros na requalificação de áreas históricas do Brasil. Lançado em março, o edital faz parte da Iniciativa Valongo, cujo objetivo é potencializar o legado do território através de intervenções urbanísticas e ações sociais que promovam inclusão.
O projeto de Sara Zewde foi selecionado em um contexto em que o Comitê Gestor do Cais do Valongo busca implementar um museu que abrigue os artefatos históricos encontrados na região. O engenheiro Marcos Motta, assessor da presidência do BNDES, descreveu o desejo de transformar a área em um “Inhotim negro gigante”, tornando o local ainda mais identificável e acessível.
Sobre a arquiteta Sara Zewde
Cofundadora do Studio Zewde em Nova York e professora na Harvard Graduate School of Design, Sara Zewde tem uma ligação especial com o Rio de Janeiro. Após sua formação, trabalhou em iniciativas de transporte e urbanismo na cidade e, ao longo de sua carreira, sempre buscou conectar o passado com o presente. “Sou apaixonada pela Pequena África e pelo Rio”, compartilha a arquiteta, que vê o concurso como uma oportunidade de contribuir para um projeto que integra suas experiências pessoais e profissionais.
Conclusão
A proposta de revitalização do projeto “Pequena África: Memória Continental” não é apenas uma intervenção urbana, mas sim um convite à reflexão, ao reconhecimento e à valorização de um passado que moldou a identidade brasileira. Ao olhar para o futuro, o projeto de Sara Zewde promete não apenas requalificar um espaço, mas também resgatar e celebrar as memórias de aqueles que contribuíram para a história do Brasil.