No dia 18 de dezembro de 2023, a vida da Dr. Hadas Levy virou de cabeça para baixo após a morte de seu noivo, o Capitão (res.) Netanel Silberg, 33 anos, durante um conflito em Gaza. A primeira reação de Hadas foi a incredulidade; como isso poderia ser verdade? Sua segunda reflexão foi sobre um desejo profundo: “Eu quero ter o filho dele.” E foi assim, em 11 de junho de 2025, que ela se tornou a primeira mulher a dar à luz uma criança cujo pai havia sido morto em combate, tudo isso através da remoção de sêmen post mortem (PSR – Posthumous Sperm Retrieval).
Em uma conversa com o jornal The Times of Israel, Hadas compartilhou que até o nascimento do seu filho, ela ainda estava de luto por Netanel. “Agora eu posso acordar de manhã e sentir alegria,” disse. A situação em Gaza se intensificou após ataques realizados em 7 de outubro de 2023, quando terroristas do Hamas invadiram o sul de Israel, resultando em cerca de 1.200 mortos e 251 sequestros. Essa tragédia provocou um aumento inédito nas solicitações de retirada de sêmen post mortem, com 250 soldados e membros das forças de segurança tendo esse procedimento realizado desde então, conforme dados do Ministério da Saúde. Essas ações permitiram que Hadas e outras mães se conectassem de forma especial aos seus entes queridos perdidos.
A nova realidade da recuperação post mortem no Israel contemporâneo
A remoção post mortem de sêmen para pré-mortos era permitida apenas com aprovação judicial, mas a necessidade surgiu rapidamente durante o conflito. Em resposta, o Ministério da Saúde e o Ministério da Justiça criaram uma regulamentação temporária que permite que os pais autorizem a coleta de sêmen sem a necessidade de uma decisão judicial. No entanto, ainda não há uma política nacional estabelecida sobre o que acontece com os sêmen coletados. Por conta da ausência de um casamento formal entre Hadas e Netanel, ela precisou entrar com um pedido na Justiça em 2024 para usar o sêmen dele, além de ter sido reconhecida como parceira comum. O tribunal acatou ambos os pedidos, possibilitando a continuidade da fertilização in vitro.
No último julho, um tribunal em Eilat autorizou outra mulher, Sharon Eisenkot, a usar o sêmen de seu filho, que também foi morto em combate, para ter um neto através de uma barriga de aluguel. Essa foi a primeira decisão judicial sobre o assunto desde que o conflito começou. O Ministério da Saúde, em comunicado, ressalta que a questão levanta muitas perguntas complicadas, englobando áreas como a legislação, medicina, filosofia e dignidade humana.
Desafios na coleta de sêmen e a busca por consentimento
A coleta de sêmen deve ser realizada rapidamente, já que a viabilidade do sêmen diminui entre 24 e 36 horas após a morte. Prof. Bella Savitsky, epidemiologista e especialista em saúde pública, está trabalhando para que o IDF (Forças de Defesa de Israel) solicite o consentimento dos soldados para essa coleta quando ingressam no exército. Uma pesquisa feita com 600 homens israelenses mostrou que mais de 70% deles acreditam que essa solicitação seria apropriada antes do serviço militar. Savitsky destacou a importância de abordar esse tema enquanto os homens ainda estão vivos, visto que 47% dos homens entrevistados se opuseram à utilização de sêmen post mortem por seus pais.
“Cada momento que aguardamos pode prejudicar o material genético. Estamos apenas desperdiçando tempo precioso.” Savitsky ressaltou que é fundamental abordar a questão antes que seja tarde demais, considerando que muitos homens podem ter suas vidas interrompidas em combate.
A luta de Hadas e o processo médico envolvido
Após a coleta do sêmen de Netanel, Hadas passou pelo processo de fertilização in vitro no Hospital Hadassah, onde trabalha como pediatra. O procedimento de coleta de sêmen, explicado pelo Dr. Eran Altman, diretor do banco de sêmen do Centro Médico Rabin, é semelhante àqueles realizados em pacientes homens que não conseguem ejacular. No caso de Netanel, nove amostras foram coletadas e, mesmo com a pressão do momento, os médicos conseguiram preservar as amostras viáveis.
Hadas descreve a experiência como desafiadora, mas estava confiante de que conseguiria ter um filho de Netanel, e sua determinação foi recompensada com o nascimento de seu filho no início de junho. “Dar à luz o filho de Silberg foi não deixar que o inimigo cortasse um galho da nossa árvore familiar. Eles tentaram extingui-lo, mas eu não deixei,” afirmou Hadas.
Essa história não apenas destaca as complexidades da biomedicina em tempos de guerra, mas também traz à tona debates importantes sobre consentimento, ética e a continuidade da vida mesmo após perdas irreparáveis. Hadas Levy se tornou um símbolo de esperança, mostrando que é possível encontrar alegria em meio à dor e que as memórias dos que amamos podem continuar a viver em novas gerações.

