A era digital trouxe mudanças significativas à forma como as famílias compartilham suas experiências. O sharenting, um termo que une “share” (compartilhar) e “parenting” (parentalidade), descreve o hábito de pais e responsáveis de publicar sobre a vida dos filhos nas redes sociais. Embora essa prática possa parecer inofensiva, especialistas alertam para os riscos envolvidos e as consequências que podem advir dessa exposição excessiva.
O que é sharenting?
O sharenting se refere à divulgação constante da rotina das crianças nas plataformas digitais, abrangendo desde momentos alegres, como aniversários, até situações mais delicadas, como birras e crises. Celebridades como Kim Kardashian são frequentemente mencionadas nesse contexto, já que utilizam a imagem dos filhos em campanhas publicitárias e reality shows. A discussão gira em torno dos limites do direito à privacidade das crianças e da utilização de suas imagens como ativos de marketing.
Riscos associados ao sharenting
De acordo com Priscilla Montes, educadora parental, o problema não reside apenas na frequência das postagens, mas no tipo de conteúdo exposto e na falta de consentimento das crianças, que muitas vezes não têm maturidade suficiente para compreender os riscos da exposição digital. “É como se a infância fosse transformada em um álbum público constantemente atualizado”, destaca ela.
A opinião de especialistas
Tiago Diana, diretor escolar em Brasília, acrescenta que a preocupação com essa prática cresce no ambiente escolar. Ele alerta que a exposição em redes sociais pode resultar em sérios riscos ao desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças, como questões de cyberbullying e uma construção de identidade digital que não foi escolhida por elas. Além disso, a superexposição pode afetar a autoestima das crianças, levando a ansiedade social e comprometendo sua autonomia e identidade.
A condenação de pais por sharenting
- Recentemente, o Tribunal de Justiça do Estado do Acre (TJAC) condenou um casal pela excessiva exposição da imagem do filho nas redes sociais. Em uma decisão da juíza Maha Manasfi, foi proibida a divulgação de fotos que ultrapassem momentos normais, permitindo apenas registros em datas comemorativas.
- A Justiça concluiu que a alta exposição da criança poderia acarretar prejuízos à sua dignidade, comprometendo sua intimidade, segurança e direitos de imagem.
Legislação vigente
O artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral das crianças, abrangendo o respeito à sua imagem e identidade. Paralelamente, o artigo 5º da Constituição Federal assegura a inviolabilidade da vida privada e da imagem das pessoas. Apesar disso, o advogado Angelo Prata, professor da Universidade de Brasília, aponta que há uma lacuna na legislação específica sobre o sharenting, ainda que existam leis que visam proteger crianças e adolescentes.
Propostas de regulamentação
Prata sugere que o projeto de lei PL 4776/2023, que busca responsabilizar pais pela privacidade de seus filhos, é uma resposta necessária à crescente preocupação com o sharenting. Ele ressalta a importância de analisar caso a caso, ponderando a liberdade de expressão dos pais em relação ao interesse do menor. Segundo ele, pais que compartilham imagens dos filhos visando retorno financeiro não são necessariamente envolvidos em práticas prejudiciais, mas isso depende da forma e intenção do compartilhamento.
Esse debate se torna ainda mais relevante quando se considera o impacto das mídias sociais na formação da infância. Com a evolução da tecnologia e a maior exposição à internet, é essencial que pais e responsáveis reflitam sobre as implicações de suas postagens, garantindo que a proteção da privacidade dos filhos esteja sempre em primeiro lugar. O sharenting é um fenômeno atual, mas os cuidados com a infância devem ser atemporais.
Além das implicações legais, é vital considerar os danos emocionais e psicológicos que podem ser causados por uma superexposição nas redes sociais. Portanto, é fundamental que os pais repensem suas práticas e busquem um equilíbrio saudável ao compartilhar momentos da infância de seus filhos, protegendo assim suas identidades e direitos.